Toda arte pode ser sagrada?

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Já parou para pensar que é difícil apontar o limite entre arte sagrada e arte sacra? Talvez mais difícil seja pensar: e se toda arte for sagrada?

A arte sacra tem em seu bojo uma finalidade de culto, ou seja, uma utilidade específica e, portanto, impossível de ser confundida pelas outras formas de manifestação artística. Mas, primeiramente, pensemos que o tema da arte até o Barroco, em sua enorme maioria, fazia menção a passagens bíblicas, à mitologia grega e aos heróis da História. Quando não se mesclavam e dividiam espaço em uma mesma obra, senão os três, mas ao menos dois deles. Em segundo, perceberemos, portanto, que se essa justaposição de temas tão distintos – a religião sagrada e a religião profana – mesmo assim se dava, significa que, não apenas ao pintor ou escultor, mas ao poeta de modo geral, a arte é um receptáculo do sagrado que pode ser observado em três níveis: o sagrado revelado, quer dizer, a representação das escrituras e do evangelho; o sagrado psicológico, representado pelas personas da mitologia; e o sagrado manifestado em entes que se destacaram pela presença potencial da sacralidade através das virtudes.

O fato de o escultor fazer com que na pedra penetre uma forma e um brilho que ela não tinha, demonstra que fora inspirado pelo intelecto, ou pela alma, como podemos assim chamar. Dessa forma explica a tradição filosófica desde Plotino, a patrística e parte da escolástica que o homem, à imagem e semelhança de seu criador, ou da sua criação (a natureza), é capaz de reproduzir, à sua vã maneira, uma “segunda” natureza: a artística.

Essa discussão vai longe e teve inúmeros intérpretes no curso da filosofia. Mas é assim que podemos encarar as obras de arte, principalmente quando estas, tratadas com o ar singelo de representar aquilo que o olho é capaz de testemunhar, mesmo distantes dos grandes temas da arte, ainda assim apontam a um sentido transcendental. São os casos dos distintos pintores cariocas e paulistas do século XX, presentes na exposição corrente no Museu de Arte Sacra, de nome “Aqueles que devem ser lembrados”. Os nomes Manuel Faria, Guttmann Bicho, Haydéa Santiago, Jurandyr Ubirajara Campos, genro de Monteiro Lobato e Edgard Oehlmeyer, são os destaques dessa mostra que ficará em cartaz até dia 5 de janeiro de 2020.

Captar passivamente a natureza, procurando figurar suas leis de mutação como a luz e coloração, o crescimento e, acima tudo, sua lei de estabilidade e permanência: a capacidade de se manter e se refazer. Será que não há algo de universal e perene nesses temas? E tais leis naturais, não são princípios ordenadores do cosmo, o micro e o macro? É possível notar em suas paisagens e retratos, principalmente, o princípio de beleza na perspectiva atmosférica e olhares, respectivamente.

Pois bem, talvez o objetivo desse primeiro artigo que abre uma sequência de reflexões que buscam fortalecer as discussões estéticas que podem ser levantadas àquele que visita exposições e acervos artísticos da Cidade seja de trazer uma unidade nos mais variados temas da arte. A tentativa será de buscar sempre o Universal no particular ou, como mencionado acima, o Sagrado no profano da arte.


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